Sallim
Na Primavera de 2016, sob o nome artístico de Sallim, Francisca Salema presenteou-nos com o seu primeiro trabalho. Isula revelou-se um disco repleto de canções simples e directas, atravessadas por aquela nostalgia dreamy de quem começa a compôr na liberdade e privacidade do quarto.
A ver o que acontece mostra-nos uma vez mais que a música de Sallim é essencial. Canção após canção, pode ouvir-se a maturação da música da jovem cantora: uma viagem à Cruz Quebrada (onde vive desde a infância) adquire a forma de um sólido álbum, no qual as canções ganham maior nitidez e a voz mais segurança, ainda que atravessando temas e motivos que traz consigo desde sempre – a dúvida, a procura, o amor. Das letras aos beats, dos arranjos às harmonias vocais, A ver o que acontece é um álbum pop de amor. Súmula da geração influenciada pela música pop e R&B americana, ao mesmo tempo preocupada com as raízes e particularmente atenta aos próprios sentimentos e sensações, Sallim encontra a plenitude da sua identidade cantando na própria língua, a pulmões abertos [“porque é que importa tanto / só sei falar quando canto” – ‘Bom Pra Mim’].
Gravado e produzido por Eduardo Vinhas no Golden Pony, o disco conta com a participação fundamental de Lourenço Crespo, aqui baixista e teclista de raiz na co-criação dos arranjos com a autora. Também Leonardo Bindilatti vem colaborar na produção dos beats em conjunto com a dupla, assim como Maria Reis (braguesa) e Mariana Pita (flauta), num gesto característico do espírito fraternal e de amizade a que já nos habituou a família Cafetra.
A abrir o disco, ‘Primavera Nova’ traz boas notícias. Num autêntico single vestido de harmonias perfeitas e teclados certeiros, as várias vozes anunciam a experiência que será ouvir o álbum, abrindo alas ao que precisa de ser cantado hoje e agora. Segunda faixa e é possível embalarmo-nos nas letras de ‘Outra vez. Puxada pela linha do baixo, é uma canção
onde Isula ecoa, na idiossincrática forma que Sallim tem de estruturar a música, sendo inevitável a identificação de uma aura tropicalista que chama nomes como Gal Costa e Rita Lee.
Incluídas no disco estão também canções já anteriormente editadas em versão demo no EP Antes que se vá embora (como por exemplo ‘Não Vale a Pena Pensar’ e ‘Se Não Acontece’), com novos arranjos que as transportam no tempo e no espaço sem nunca perderem o fio condutor que as fez nascer em primeiro lugar.
Mas é em ‘Mais ninguém’ que sentimos escutar o cerne desta obra (sem deixar de mencionar a inspiração de discos como os de Kacey Musgraves). Nesta autêntica canção de amor percebe-se a genuína feminilidade de Sallim (“gasto tantas horas / a pensar / se me adoras / mas isto não sustenta / estar sempre tão desatenta / a inventar o vazio / a insistir que és tu que és frio / quando sou eu que não tou chill / dás-me um beijo e eu quero mil “) que, assegurada por uma liberdade vocal e lírica, transforma o individual em universal.
É de notar a homenagem ao grupo Kridinhux que Sallim faz ao apresentar uma bela versão da música ‘A Pensar Em Ti’, ode romântica revestida de percussões cintilantes e um festivo jogo de sopros. O disco termina com ‘Hoje Fico Em Casa’, fazendo ressoar a frase que dá nome ao álbum – “a ver o que acontece / à espera que aconteça / e se a canção tá mal / não sei se vale a pena” – ainda que saibamos que vale sempre a pena cantar quando a canção vem de dentro, cristalizar em eterno presente o que nos escapa sempre.