Cresci rodeada de música: no rádio de casa, nos passeios de carro, no prédio onde nasci e cresci. No meu bairro os vizinhos ouviam música alta, naquele volume que atravessava paredes, patamares, andares inteiros. Do rés do chão ao último andar. De Gipsy Kings a música eletrónica, e pelo meio das escadas os ritmos endiabrados de quem matava as saudades de África.
O meu prédio era um verdadeiro território intercultural.
As mulheres da família também sempre tiveram o hábito de cantar. Talvez ajudasse a tornar os dias mais leves. Cantavam na lida e cantavam a vida.
Depois havia o meu irmão, que apesar de ser um mau canário sempre trouxe para casa o bom hábito de fazer parar o tempo porque era tempo de ouvir música. E havia o meu pai, que trazia da geração hippie o sonho que o movimento era e as suas canções de justiça, paz e liberdade. E eu fui acontecendo no meio disto.
Por volta dos 10 anos aprendi um pouco de piano numa escola de música. O meu pai nunca me deu ténis de marca mas sempre teve a visão de que conhecimento é a maior herança que se pode deixar.
Pouco depois vem a guitarra e as primeiras composições com amigos. E as palavras que sempre me tinham dançado soltas no lápis e na cabeça, ganhavam pela primeira vez uma casa, um espaço para se reunirem à mesa e se combinarem num significado maior: deixavam de ser ideias soltas e passavam a ser histórias, protestos, catarses, canções.